Marcio Mariguela

Psicanálise & Filosofia

DESATIVADO

O BLOG ESTA DESATIVADO COMO INSTRUMENTO DE PUBLICAÇÃO

fica como registro dos posts realizados e como marca de exercícios de utilização desta ferramenta para escrever e publicar

continuo escrevendo e publicando semanalmente a coluna “Livros e Lugares” no Jornal de Piracicaba aos domingos

também sou colonista da Revista ARRASO, publicação temática mensal vinculada ao Jornal de Piracicaba

http://revistaarraso.com.br/category/colunistas/marcio-mariguela/

quem desejar acompanhar meu trabalho como escritor é só acessar o meu site pois lá são reproduzidos os artigos (ilustrado pelo cartunista Erasmo Spadotto) impressos no jornal e na revista

Janeiro / 2014

CONVITE – Diálogo Público: psicanálise, psiquiatria e o DSM-5

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No próximo 25 de Maio, sábado, em Piracicaba-SP, vamos conversar sobre o lançamento mundial da nova edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), produzido pela American Psychiatric Association (http://www.dsm5.org)

Informações e inscrições pelo site:

PROGRAMA DO ENCONTRO:

  •  Política, Mídia e o DSM-5

Apresentação: Ricardo Pacheco e Paula Benetton de Souza Cecchi

Mediação: Luiz Américo Valadão Queiróz

  •  Elisão do sujeito no DSM-5

 Apresentação: Marcio Mariguela e Marta Togni Ferreira 

Mediação: Vitor Meira Monteiro

O evento conta com o Apoio:

  • Escola de Psicanálise de Campinas
  •  http://www.escolapsicanalisecampinas.com.br
  • Residência Médica de Psiquiatria do Serviço de Saúde Dr. Candido Ferreira
  •  http://www.candido.org.br
  •  Opportunità! | marketing interativo
  •  http://www.agenciaopportunita.com.br

RSI

o Imaginário é o que resta do Simbólico

o Simbólico é o que resta do Real

o Real, bem…, deste, não  resta NadaImagem

FAISÃO ARISTOCRATA

tela do período de Luis XIV, acervo do Museu do Louvre

François Desportes Champigneulles
“Autoportrait en chasseur” – 1699

“Durante o dia inteiro, nesses passeios, eu pudera pensar no prazer que teria se fosse amigo da duquesa de Guermantes, de pescar trutas, [caçar faisão], passear de barco no Vivonne e, ávido de felicidade, não pedir à vida, nesses momentos, senão que ela se compusesse de uma série de tardes felizes (…) Oh, que belos faisões na janela da cozinha, nem é preciso indagar de onde vêm, com certeza o duque andou caçando”

(Marcel Proust – Em Busca do Tempo Perdido)

Apaixonados por culinária como obra de arte, resolvemos preparar e saborear na ceia natalina uma ave que ainda não conhecíamos pelo paladar. De pronto, a escolha foi o faisão. Ícone da aristocracia e dignamente representado nas pinturas do século XVII e XVIII. O retrato acima é um dos marcos genealógicos da presença do faisão na iconografia pictórica ocidental. Do norte ao sul da Europa, o faisão esteve presente na história da arte: em telas, azulejos e tapeçarias. Na literatura, sua presença é de igual modo marcante. Há descrições de tal beleza poética capaz de atiçar as papilas degustativas.

na mitologica figura da caçadora Diana, Boucher inclui uma rama de faisões - Coleção do Louvre

François Boucher
“Diane sortant du bain” – 1742

Como ave de caça, os nobres faziam campeonato para ver quem conseguia abater o maior número de faisão. Como não somos habilidosos com armas de caça e menos ainda temos um Bois de Boulogne disponível, apelamos ao Santo Google para descobrir onde é comercializado aves de caça. O mais próximo era o açougue Porco Feliz no Mercado Municipal de São Paulo (http://www.porcofeliz.com.br/). Com a generosidade de um amigo, os faisões chegaram até nós.

Como preparar? Há receitas disponíveis na internet e livros de culinária especializados. Nossa referência foi  À mesa com Proust (Editora Salamandra, 1991). Decidimos criar a nossa própria com os devidos acompanhamentos. Optamos por assá-los para garantir o sabor próprio da carne.

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FAISÃO ARISTOCRATA

1º passo:

três (3)  faisões lavados com água e vinagre; imerso por 10 horas num vinha-d’alho com temperos diversos, 2 colheres (sobremesa rasa) de sal, 1 garrafa de bom espumante. De tempo em tempo vá virando os faisões no molho.

flambando

flambando

2º passo:

 retire os faisões, um a um e seque com papel toalha. Flambe os faisões com conhaque. Acomode o vinha-d’alho numa panela e deixe ferver até apurar. Passe por uma peneira e reserve para posteriormente regar os faisões.

3º passo:

acomode os faisões numa assadeira, regue com o molho, cubra com papel alumínio e leve ao forno quente por 1 hora; retire o papel para dourar, enquanto isso, vá regando com o molho.

Colelão do Louvre

Jean-Baptiste Oudry
“Nature morte au faisan” – 1753

Acompanhamentos:

1-) Molho de uvas

Adicione um (1 ) litro de água quente numa panela. Acomode dois (2 ) cachos de uva itália e um (1) cacho  de uva rubi previamente lavadas e deixe por 1 minuto (isso facilita retirar a pele das uvas). Extraia as sementes.

Numa frigideira, derreta 100 gramas de manteiga e acolha as uvas mexendo levemente até dourar. Passe numa peneira para escoar a sobra da manteiga e reserve as uvas douradas. Na mesma frigideira, coloque 200 ml de mel e 200 ml de vinagre balsámico – deixe ferver até ganhar espessura. Acrescente 50 gramas de manteiga e por fim as uvas.

2-) Purê de ervilhas frescas

Cozinhe 500 gramas de ervilhas frescas por 5 minutos. Leve ao liquidificador até formar uma pasta. Em uma panela, derreta 50 gramas de manteiga, acrescente as ervilhas trituradas e vá mexendo lentamente, incluindo 50 ml de creme de leite fresco e 1 colheres (chá) de sal.

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3-) Maçã Verde Caramelizadas

Descaroçar as maçãs e cortar em meia lua em 8 partes e reserve. Numa frigideira, adicione 2 colheres (sopa) de azeite e 2  colheres (sopa) de manteiga. Inclua as maçãs e deixe fritar até amorenar. Adicione 50 gramas de açúcar mascavo e deixe fervilhar até caramelizar.

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4-) Cebolas Caramelizadas

Descascar 20 cebolas pequenas e fure o centro de cada uma com um palito de churrasco. Cozinhe em vapor por 20 a 30 minutos. Enxugue em papel toalha. Derreta 2 colheres (sopa) de manteiga, junte 1/2 colher (chá) de sal e 2 colheres (sopa) de açúcar mascavo. Misture e cozinhe por 2 minutos. Acrescente as cebolas, mexendo lentamente em fogo baixo por 10 minutos.

Acabamento – estética visual

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Numa louça apropriada, acomode os faisões com as maçãs e cebolas.

O molho de uvas pode ir em outro recipiente para regar  ao gosto.

um cássico representante da iconografia famenga. Coleção do Louvre

Jan Fyt
“Gibier et attirail de chasse découverts par un chat” – 1640

Sobremesa: 

PAVÊ DE DAMASCO COM CHOCOLATE 

Numa panela acomode 2 xícaras (chá) de damasco com 250 ml de água e deixe ferver por 15 minutos. Deposite o damasco hidratado num liquidificador e triture rapidamente. Acrescente 1 lata de creme de leite (sem soro) e 1 envelope de gelatina sem sabor devidamente preparada. Liquidifique por 3 minutos.

Numa travessa adicione 1 pacote de biscoito champagne: faça camadas e entre elas o mousse de damasco. Espere esfriar e deposite na geladeira.

Derreta 200 gramas de chocolate meio amargo com uma lata de creme de leite (sem soro), vá mexendo lentamente com o fogo apagado. Cubra com esse creme a torta pavê e leve novamente a geladeira até o momento de servir.

Bom apetite, em festa!

 

IGREJAS DE PARIS – Basílica de Saint Denis

As dezenas de igrejas espalhadas pela cidade de Paris demonstram a história da monarquia católica. Como um dos reinos cristão mais importante da Europa, Paris concentra verdadeiros tesouros arquitetônicos desde o gótico medievo, passando pelo renascentismo e barroco clássico até o romantismo do 2º império. Visitar as igrejas é adentrar num território em que o sagrado é o fundamento da política. A história de Paris pode ser narrada por suas igrejas que abrigam sepulturas de reis, rainhas, príncipes e princesas. Abrigam também os restos mortais de escritores, pensadores, artistas que muito colaboraram para ornamentar o ambiente devocional.

Basílica de Saint Denis

O estilo gótico lançou seus marcos fundadores no período medieval e sob a espada de Clóvis derrotou os romanos no final do século V,  instaurando o cristianismo como religião oficial do reino franco. Nas cercanias de um cemitério galo-romano ao norte de Paris foi edificado a primeira igreja sobre o túmulo de St. Denis, o primeiro bispo dos franceses, decapitado pelos romanos no ano 250. A tradição atribui a Santa Genoveva a construção do primeiro santuário em torno de 450.

exemplar gótico de grande esplendor

A atual Basílica de Saint Denis foi edificada a partir deste santuário que rapidamente tornou-se um centro de peregrinação. Ao seu redor foi edificado um monastério beneditino e desde o século VII passou por varias transformações com o impulso inicial do rei Dagoberto que tornou-se o benfeitor e elegeu St. Denis como patrono e protetor dos monarcas. A história da Basílica se funde com a historia da monarquia cristã, abrigando túmulos de praticamente todos os regentes até Luis XVI e Maria Antonieta.

interior da Basílica com rosácea ao fundo

Sob a regência do abade Suger (1122-1151), conselheiro real, a Basílica adquiriu novas técnicas arquitetônicas, rosáceas e abóboda sobre cruzeiro de ogivas. Um esplendor de luz inundou o espaço que consagrou reis e rainhas. Ao mesmo tempo, neste espetáculo luminoso, os restos mortais da monarquia descansam em paz. A abside do abade Suger foi projetada para ostentar as relíquias dos mártires. A ausência de muro concreto entre as capelas centrais e a abside (capela em formato semicircular atras do altar-mor ou nave central) criam um muro de luz contínuo. Dos vitrais do abside somente cinco foram poupados da destruição pelos revolucionários franceses do final do século XVIII. Nesta capela luminosa estão as efígies da monarquia merovíngia – o rei Clóvis e seus filhos  são a gênese do cristianismo na França.

abside do abade Suger

A Basílica abriga atualmente mais de 70 efígies e túmulos, sendo considerada  uma coleção única na Europa. No passeio pela Basílica podemos apreciar os avatares da arte funerária, das efígies do século XII esculpidas  com os  olhos abertos; também  as grandes composições do Renascimento que associavam a morte à esperança da ressurreição. Foi exatamente neste significante que a sensação do expectador repousou: pareceu-me que toda aquela monarquia ali sepultada sob o manto infinito da luz, estão a espera da ressurreição.

túmulo de Henrique II e Catarina de Médicis

Dentre os monumentos funerários, destaque para o túmulo do rei Dagobert I, grande representante da dinastia Merovíngia; e para o templo funerário de Henrique II e Catarina de Médici, representantes da dinastia dos Valois. O tumulo do rei foi edificado em meados do século XIII a pedido dos monges beneditinos que o consideravam seu fundador. Esta situada no lugar onde o soberano foi inumado em 639. Seu corpo foi esculpido com a cabeça virada à direita, como se estivesse a olhar eternamente para as relíquias de St. Denis. As esculturas que adornam o túmulo, ilustram a lenda do eremita João que sonhou com a alma de Dagobert sendo arrancada dos demônios, graças a intervenção dos santos Denis, Maurice e Martin.

símbolo da realeza sepulta

O túmulo templo de Henrique II surgiu da vontade expressa de Catarina de Medici para a memória de seu esposo e em honra os Valois. Foi desenhado por Primticio e esculpido por Germain Pilon entre 1560-1573,  utilizando uma combinação equilibrada entre o mármore e o bronze, este monumento é um exemplar da presença da arte italiana em solo francês. Os anjos, representantes de cada uma das virtudes, adornam este mausoléu de mármores multicoloridos que se intensificam com a luz da rosácea lateral do transepto norte.

rosácea central

Antígona do Lacan

“Se é que aquilo que ensino tem o valor de um ensinamento, não deixarei depois de mim nenhuma oportunidade para que se possa acrescentar o sufixo ismo. Dizendo de outra maneira, termos que terei sucessivamente esmerado diante de vocês, e o embaraço de vocês felizmente mostra que nenhum deles ainda não lhes pode parecer suficientemente essencial, quer se trate do simbólico, do significante ou do desejo, nenhum desses termos, no fim das contas, jamais poderá servir, pelo meu procedimento, de amuleto intelectual para quem quer que seja” (Jacques Lacan, “O brilho de Antígona” in: Seminário 7).

Antigona derramando terra no corpo de seu irmão Polinice
William Henry Rinehart, 1870.

No Grupo de Estudos em Lacan estamos trabalhando ha tempos com o Seminário 7 – A Ética da Psicanálise. No momento, vamos nos deter na interpretação da clássica tragédia “Antígona” de Sófocles. Desde o início, uma questão tem nos guiado na leitura do Seminário:  o que levou Lacan escolher a heroina filha de Édipo como prototipo da ética exigida ao psicanalista? Lacan escolheu Antígona para demarcar o prototipo do que exigido do psicanalista na condução de um tratamento; situando assim a dimensão trágica da experiência psicanalítica: “Antígona~, disse ele,  é uma tragédia, e a tragédia esta presente no primeiro plano de nossa experiencia, a dos analistas, como é manifesto nas referencias a Freud – impelido pela necessidade dos bens oferecidos por seu conteúdo mítico – encontrou em Édipo, mas também em outras tragédias. E se ele não destacou mais expressamente a de Antígona, não quer dizer que ela não possa ser evidenciada aqui, nesta encruzilhada para onde eu trouxe voces”. Qual a encruzilhada? A função do bem e a função do belo no paradoxo do gozo. O problema da sublimação foi ressignificado por Lacan ao analisar a demanda de felicidade e a promessa analítica: “permitir ao sujeito situar-se numa posição tal que as coisas, misteriosa e quase miraculosamente, aconteçam para ele de uma boa maneira, que ele as aborde pelo lado certo (…) Ousando formular uma satisfação que não é paga com um recalque, o tema colocado no centro, promovido em sua primazia é – o que é o desejo? A propósito disso posso apenas lembrar-lhes o que nessa época articulei – realizar seu desejo coloca-se sempre numa perspectiva de condição absoluta”. É essa condição absoluta que Lacan leu em Antígona.

Duas perspectivas distintas sobre a tragédia: a de Aristóteles, expressa n’A Poética; e a de Nietzsche, formulada n’O Nascimento da Tragédia. Admitir que Antígona é uma tragédia, convém perguntar: o que define e caracteriza uma tragédia? em que ela se distingue da comédia, da epopeia, por exemplo? Neste post vou me deter na interpretação de Aristóteles e na leitura que Lacan realizou da Poética para demarcar sua Antígona.

busto de Aristóteles

Nos capítulos VI, Aristóteles definiu a Tragédia como imitação de uma ação de caráter elevado. No acontecer dramático do herói (ou heroína)  é suscitado o terror e a piedade e como efeito, purifica estas emoções. Se a Tragédia é a imitação de uma ação, quais as causas naturais (“phýsis”) que determinam as ações: pensamento e caráter. A ação dramática vivida por atores que interpretam personagem serve de cenário para contemplar o pensamento e o caráter encenados nas ações representadas. Caráter “é o que nos fazer dizer das personagens que elas têm tal ou tal qualidade; e por pensamento, tudo quanto digam as personagens para demonstrar o quer que seja ou para manifestar sua decisão”. Diante destes argumentos, podemos interrogar sobre o caráter e pensamentos de Antígona.

Definindo o Mito como a alma da tragédia, Aristóteles destacou o elemento mais importante: a trama dos fatos, “pois a Tragédia não e imitação de homens, mas de ações e de vida, de felicidade ou infelicidade, reside na ação, e a própria finalidade da vida é uma ação (ato?), não uma qualidade”. Sem ação não poderia haver Tragédia, pois que nesta “não agem os personagens para imitar caracteres, mas assumem caracteres para efetuar certas ações”. Se as ações são determinadas pelo caráter e pensamento, o filósofo distingue com precisão as duas causas. Pensamento “é poder dizer sobre tal assunto o que lhe é inerente e a esse convém (…) é aquilo em que a pessoa demonstra que algo é ou não é ou enuncia uma sentença geral”; Caráter “é o que revela certa decisão ou, em caso de dúvida, o fim preterido ou evitado”. Pode-se depreender dessas definições toda uma linha interpretativa da Antígona.

No capítulo IX, Aristóteles retornou a questão da finalidade (o “telos”) destacando os estados afetivos de piedade e terror. A Tragédia não é só imitação de uma ação completa, tal imitação tem como “télos” suscitar o terror e a piedade. Ao suscitar tais emoções, o expectador vivencia uma catarse (“kátharsis”), uma purificação. A palavra catarse, deriva da linguagem da medicina com o significado de purgação. Usado também em experiencias religiosas, “kátharsin” refere-se às cerimônias de purificação a que se submetiam os iniciados. No sentido ético, significa o alívio do ânimo através da expressão das paixões como meio de libertar-se delas. Ao suscitar o terror e a piedade, a Tragédia tinha uma finalidade terapêutica. É curioso lembrar que o método psicanalítico foi inventado pela aplicação do método catártico por Freud em 1895.

O sentido ético da tragedia esta determinado por seu “telos”, sua finalidade. Ao articular a ética da psicanálise com o paradigma Antígona, Lacan reinscreveu a tradição aristotélica num campo clínico bem preciso: o tratamento dos sofrimentos neuróticos e psicóticos, conduzido por um psicanalista. A experiência trágica de uma psicanalise também suscita o temor e a piedade. A dimensão ética da catarse como purificação do ânimo através da libertação do peso das paixões, está presente na experiência clínica da psicanálise. “Não esqueçamos de que o termo catarse permanece singularmente isolado na Poética, onde o recolhemos”. Ao recolher esse termo, Lacan destacou os três níveis de significação da palavra “kátharsin” para ancorar sua interpretação no sentido ético-pedagógico: apaziguamento do ânimo através da liberação do peso das paixões (páthos).

Eudoro de Souza, comentando sua tradução da passagem da Poética em que a palavra “kátharsin” aparece, esclareceu que a mesma pode ser compreendida em quatro maneiras distintas: “catarse (operada por…) sobre tais emoções; catarse (operada) por tais emoções (sobre…); catarse (operada) por tais emoções (sobre elas mesmas); catarse de tais emoções (=expurgação ou eliminação de tais emoções”. As variações não escaparam à atenção de Lacan. Ele traduziu como: “meio que efetua pela piedade e pelo temor a catarse das paixões semelhantes a esta”.

Essa questão é decisiva na interpretação que fez da tragédia Antígona. Por isso, afirmou:  “O que promovemos mais particularmente concernindo ao desejo permite-nos fornecer um elemento novo à compreensão do sentido da tragédia, e isso por essa via exemplar, a função da catarse. Antígona nos faz, com efeito, ver o ponto de vista que define o desejo” (J.Lacan)

Indicações de Leitura:
Aristóteles, Poética. Tradução Eudoro de Souza. Edição Bilíngue. 2ª ed. São Paulo: Ars Poetica, 1993.
Sófocles, Antígona. Tradução Guilherme de Almeida. In: Três Tragédias Gregas. São Paulo: Perspectiva, 1997.
Kathrin H. Rosenfield. Sófocles & Antígona. Coleção Filosofia Passo-a-passo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
Kathrin H. Rosenfield (org.) Filosofia e Literatura: o trágico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
Albin Lesky, La Tragedia Griega. Barcelona: Editorial Labor, 3ª ed., 1970.
Denise Maurano, Nau do Desejo: o percurso da ética de Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.

ÓCIO EM PARIS

O cultivo do ócio é um exercicio de liberdade. Viver no ócio não quer dizer ficar sem fazer nada. Praticar o ócio é fazer nada útil, que tem utilidade visando um fim determinado. O ócio requer uma suspensão temporária das atividades laborais rotineiras: 2ª, 3ª, 4ª…. Quando se esta no ócio, o tempo flui sem a marcação cronológica. É acordar e se perguntar: O que vou fazer hoje? Nada de útil.

“Por que é bela a arte? Porque é inútil. Por que é feia a vida? Porque é toda  fins, propósitos e intenções. A beleza das ruínas? O não servirem mais para nada. A doçura do passado? o recordá-lo, porque recordá-lo é torná-lo presente, e ele nem o é, nem pode ser – o absurdo, meu amor, o absurdo”. (Bernardo Soares,  “O livro do desassossego”)

Torre Eiffel

Fazer turismo é praticar o ócio. Para tanto, não pode ser um pacote coordenado por um agente de viagem. O viajante deve ser autônomo o bastante para tomar as decisões de onde e como ir de um lugar ao outro. O que vai visitar, o que deseja conhecer empiricamente e o que minimamente já sabe através de leituras e pesquisa na internet. Ajuda muito se o ócio é praticado num local já conhecido. As coordenadas geográficas básicas são importantes para não ter o tempo subtraído do cultivo do ócio. Saber o que evitar e algumas noções sobre a logística dos meios de transporte são ferramentas fundamentais para mover-se num flanar sem direção.

Sena visto da Rue du Théâtre

No Houaiss Eletrônico, o vocábulo ócio é designado semanticamente como cessação do trabalho; folga, repouso, quietação, vagar. É também um espaço de tempo em que se descansa, falta de ocupação. Por derivação, sentido figurado, ócio é trabalho leve e agradável. Nesta trama de significação, vagar é o sentido apropriado para designar uma viagem a Paris. Vagar, vagabundear, flanar, perambular. Andar ao leu com uma  certa curiosidade infantil de tudo tocar, sentir, cheirar. Deixar os olhos serem conduzidos e condutores. Cultivar o ócio em Paris é deixar-se seduzir pelas encruzilhadas de suas ruas, pela  história destas cercanias em torno de um caudaloso e belo rio.

Pont Neuf com a île de la Cité ao fundo

Paris é para ser degustada passo-a-passo. Uma Igreja aqui, um museu ou palácio ali, um jardim e praça acolá. Entre um e outro, comer croissant, baguete e tomar agua perrier. Entrar em Paris é atravessar o portão e adentrar num espaço onde a história da cultura ocidental se inscreve em cada pedaço que a visão consegue capturar. Desde o século III a.C, a tribo celta dos parísios fixaram residencia na île de la cité que emergiu triunfante nas águas do Sena.

Opera Garnier

salão de estar do palácio da música – obra prima do 2º Império

Conquistada pelos romanos que ali fundaram a Lutécia: sede do império ao norte da Europa. O mito cristão fundador é personificado por São Denis, o primeiro bispo de Paris,  cultuado como protetor dos monarcas. No século III foi decapitado pelos romanos e, mesmo assim, carregou sua cabeça por 10 km: de Montmartre até o portão da cidade, hoje conhecida como Porta de São Denis. Há também a proteção feminina: Santa Genoveva salvou Paris de Átila, o Huno em 451.

portão do castelo de Versailles

Clóvis, rei dos francos, fez de Paris a capital de seu reino em 508. Em todo período medieval, os francos asseguram as construções de monastérios e um reino cristão foi sedimentando a cultura monárquica que fundou sua descendência em Luis IX no século XIII até a decapitação de Luis XVI no final do século XVIII pelos Revolucionários Republicanos.

Conciergerie na île de la Cité

Em 1868, Paul Lafargue casou-se com Laura, a filha caçula de Karl Marx. Nascido em Cuba, Paul era filho de um francês e de uma judia. Enviado a Paris para estudar medicina, tornou-se um apaixonado militante socialista. Na época, os trabalhadores nas oficinas parisienses trabalhavam em média 13 horas por dia, e o pior, ainda estavam convencidos de que o trabalho em si mesmo era uma atividade dignificante para si e benéfica para o progresso social. Com a latinidade nas veias, Paul confrontou o sogro de forma viceral ao publicar em Paris o ensaio O Direito a Preguiça, em 1880.

entrada do palácio de Versailles

Lafargue  levantou seu brado contra a visão hegemônica da santificação do trabalho, promovida por escritores de direita e de esquerda, por economistas liberais e socialistas tapados. Para ele, o trabalho dignifica o humano no limite imposto pelo ócio e o lazer. Quando não há mais condições de praticar o ócio e dedicar-se ao lazer, o trabalho tornou-se um valor em si e ao mesmo tempo, ferramenta para o trabalhador ser reconhecido como consumidor. Trabalhar para consumir é uma atividade alienada pois o trabalho visa um fim: obter bens, mercadorias marcadas por signos de status e poder.

pedinte nas proximidades da Galeria Lafayette,
o templo do consumo

O panfleto revolucionário de Laforgue foi redigido num tempo em que a burguesia industrial levava a exploração do trabalhador ao máximo na construção do modelo capitalista. O sucesso deste texto em Paris é inflamante na medida em que interrogou o contexto histórico no período do 2º Império, governado por Napoleão III. Fundamentalmente é essa Paris de Laforgue que os turistas mais veem.

Avenida Champs Élysées

As transformações no espaço publico para acolher efetivamente os ideais da burguesia dominante é a Paris do primeiro plano de percepção estética. Escavando os substratos dos planos subjacentes, o visitante pode vestir a fantasia de um arqueólogo e descobrir os feitos do 1º Império de Napoleão Bonaparte, os vestígios da monarquia cristã devota de São Denis, Santa Genoveva e São Luis, o rei que se tornou santo.

meio século

I

uma conta a mais na contagem do conto

de conta em conta, o tempo se conta na carne trêmula

numa contagem sem conto, o tempo desconta no espírito enrijecido

não mais que um conto para contar o desconto pelas sandices emudecidas

em que conta é posssivel contar o incontável?

se todas as contas ficam pelo meio, nos entremeios o conto se conta

II

as contas de um colar de pérolas determinam o valor em quantidade

as contas de uma guia de preto velho determinam o valor em qualidade

as cotas de uma empresa é quantidade

as cotas de ocio roubada do tempo veloz é qualidade

as contas para pagar é o preço de carne ofertado no mercado

as contas a receber é a esperança lançada no além tempo

Como pode um conto contar uma vida? Um conto de réis, Cem conto?

o valor é uma contagem: quanto vale uma vida? Escravo bom é escrevo vivo!

para quem se libertou, a contagem de seu valor é um ato de autonomia

a vida vale o tanto que se é capaz de fazer valer

III

valorar é uma ato supremo de liberdade. Cada coisa tem o valor que dou a ela!

escravidão é submeter-se ao valor das coisas pelo mercado.

um por de sol no outono vale mais do que o ouro

as lágrimas de plenitude vale mais do que um diamante

o vermelho rubro da flor vale mais que rubi

quem estabelece o valor? quem valora? Essa é a questão!

IV

o valor da existencia é a inscrição de uma diferença com a potencia de invenção

inventar o valor para contar o tempo que flui sem valor e direção

na contagem do tempo o valor da vida vai solidificando o passado

lugar por onde se passou vira chão para ir e vir sem melancolia

lembranças sorridentes de uma contagem sem fim

 

Curso de Extensão em Psicanálise – Freud, leitor de Nietzsche III

Curso de Extensão em Psicanálise – Freud, leitor de Nietzsche (III)

Ministrado por: Marcio Mariguela, psicanalista e professor de filosofia na UNIMEP

Cronograma: 25/02; 24/03; 14/04; 26/05; 23/06

Horario: 9 as 12h – Vagas Limitadas: 20 – inscrições: mmariguela@gmail.com

Valor: R$ 200,00 – Certificado de Participação

Local: Clinica de Psicanálise de Piracicaba- -Rua Prudente de Moraes, 1314 – Bairro Alto

 

 Justificativa: A numeração designa série. Houve dois tempos em que demonstrei a leitura realizada por Freud da obra nietzchiana. No primeiro, centrei o conceito “super-homem” numa irônica citação de Freud à Nietzsche no capítulo X “A massa e a horda primeva” do livro Psicologia das Massas e Analise do Eu de 1921: “No princípio da história humana ele (o pai da horda) era o super-homem, que Nietzsche aguardava apenas no futuro”. Demonstrei que a referência aqui é o livro Assim Falou Zaratustra. No segundo tempo, investigamos a nota de rodapé no livro O Eu e o Isso de 1923, onde Freud alinhou o conceito “inconsciente” na 2ª tópica do aparelho psíquico, ao sentido que o mesmo conceito possui na obra de Nietzsche. Neste caso, definimos alguns aforismos de A Gaia Ciência para levantar hipóteses interpretativas da conjunção de sentido entre ambos.

Neste terceiro tempo, vamos investigar a inclusão de dois parágrafos na edição de 1919 da Interpretação dos Sonhos. Freud reeditou várias vezes sua obra fundadora da psicanálise e, em cada uma delas, acrescentou notas e parágrafos que permitem acompanhar a demarche de sua prática clínica e elaborações teóricas. Freud constatou que a terapia psicanalítica revelou “pela primeira vez que por trás dos sonhos se ocultavam um sentido e um valor psíquico”. Naquele tempo (1900) Freud disse que estava “inteiramente desprepado para descobrir que esse sentido era de caráter tão uniforme”. No item B “Regressão” do célebre capítulo VII “Psicologia dos processos oníricos”, encontra-se os elementos fundamentais para avaliar o “carater uniforme” do sentido do sonho. Se o aparelho psíquico funciona em três registros distintos (Isso, Eu e Supereu), toda percepção consciente esta determinada por traços minêmicos constituitivos na história do bicho falante em sua condição ontogenética e filogenética.

No final do item B (parágrafos de 1919), Freud afirmou que “o sonhar é, em seu conjunto, um exemplo de regressão à condição mais primitiva do sonhador, uma revivescência de sua infância, moções pulsionais que a dominaram e dos modos de expressão de que ele dispunha nessa época. Por trás dessa infância do indivíduo (ontogênese) é-nos prometida uma imagem da infância filogenética”. Neste ponto, o nome de Nietzsche é invocado: “Podemos calcular quão apropriada é a asserção de Nietzsche de que, nos sonhos, ´acha-se em ação alguma primitiva relíquia da humanidade que agora já mal podemos alcançar por via direta´; e podemos esperar que a análise dos sonhos nos conduza a um conhecimento da herança arcaíca do homem, daquilo que lhe é psiquicamente inato”. O aforismo 12 “Sonho e Cultura” do Humano, Demasiado Humano – citado entre aspas -demonstra que Freud leu esse livro de Nietzsche, publicado em 1878. Vamos reconstruir os argumentos de ítem B do capítulo VII tramando com os aforismos do  capítulo 1  “Das coisas primeiras e últimas” do livro de Nietzsche.

Bibliografia:

FREUD, Sigmund A Interpretação dos Sonhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Volume V. Rio de Janeiro: Imago, 1987.

NIETZSCHE, Friedrich Humano, Demasiado Humano. Tradução: Paulo César Souza. São Paulo: Cia das Letras, 2000.

ASSOUN, Paul-Laurent Freud & Nietzsche: semelhanças e dessemelhanças. São Paulo: Brasiliense, 1989.

MONZANI, Luiz Roberto Freud, o movimento de um pensamento. Capítulo 2 “A Máquina de Sonhar”. Campinas: Unicamp, 2ª edição, 1989

O retorno a Freud de Jacques Lacan: homenagem aos 110 anos de nascimento

Lacan com Freud

Na história da psicanálise e da cultura contemporânea, Jacques Lacan ocupa um lugar de rara singularidade. Formado em psiquiatria realizou sua residência médica na Delegacia de Polícia de Paris – para onde eram encaminhados os psicóticos que passavam ao ato de violências e crimes. Foi lá que encontrou Marguerite Anzieu. Transformada no caso Aimée, Lacan publicou sua tese em psiquiatria em 1932: Da Psicose Paranóica em suas Relações com a Personalidade (Editora Forense Universitária).  Com o propósito de render homenagem às comemorações dos 110 anos do nascimento de Lacan, relembro seu encontro com  Aimée, a sua amada.

A jovem mulher deixou sua cidade natal, onde era casada e tinha um filho pequeno, para seguir a carreira de escritora em Paris. Na pobre bagagem carregava dois romances escritos nos intervalos de suas atividades como atendente do serviço de correio. A desejosa escritora almejava o sucesso de público. De tanto prezar seus escritos, Marguerite foi procurar um editor que pudesse acolher seu desejo e tornar público assim suas histórias de amor.

Na penúria de sua vida, almejava o reconhecimento de seus talentos e atributos de escritora, mulher de letras. Nas diversas tentativas de se fazer publicável encontrou recusa e humilhação. Abatida em seu projeto apanhou uma faca de caça na pensão onde morava e foi para a porta dos fundos do teatro esperar a famosa atriz Huguette Duflos. Aproximou-se e perguntou se ela era mesmo Duflos. Após ouvir a confirmação, lançou-se sobre ela com a arma em punho e com o olhar injetado de ódio.

Do atentado, a vítima saiu com dois tendões da mão seccionados por tentar se defender. Dominada pelos presentes, Marguerite é conduzida à delegacia policial. Convocada a explicar seu ato, responde que há muitos anos Duflos estava fazendo escândalos contra ela e que pretendia roubar seu filho. Depois de dois meses na prisão foi transferida para a clínica do Hospital Sainte-Anne. O relatório de perícia médico-legal fez constar que a paciente sofria de delírio sistematizado de perseguição à base de interpretações com tendências megalomaníacas e substrato erotomaníaco.

Jacques Lacan ficou siderado e passou ocupar a função de analista para interpretar o drama delirante dessa mulher de letras. Antes de sua transferência para Paris, Aimée havia sido internada na casa de saúde Épinay-sur-Seine, em 1924, a pedido de seu marido René Anzieu, lá permanecendo por seis meses. Lacan citou o laudo de internação que descrevia o quadro sintomatológico: “Fundo de debilidade mental, idéias delirantes de perseguição e de ciúme, ilusões, interpretações, propósitos ambiciosos, alucinações mórbidas, exaltação, incoerência de quando em quando. Ela acreditava que zombavam dela, que era insultada, que lhe reprovavam a conduta: queria fugir para os Estados Unidos”.

A seguir, citou as palavras da própria paciente, extraídas do laudo. Dentre elas, destaco: “Antes de qualquer coisa que querem de mim? Que eu construa para vocês grandes frases, que eu me permita ler com vocês esse cântico: Ouçam do alto do céu, o grito da Pátria, católicos e franceses sempre”. Construtora de grandes frases, Aimée encenava em delírios o drama constitutivo de sua psicose paranóica.

O caso Aimée foi a porta para Jacques Lacan adentrar no território da psicanálise. O artigo “O Problema Econômico do Masoquismo”, publicado por Freud em 1923, serviu de instrumento para Lacan apreender a psicose paranóica de sua Aimeé. Entrando na psicanálise pela psicose, Lacan revolucionou a prática psiquiátrica e abriu a perspectiva de uma clínica da neurose que pudesse reinscrever a lâmina cortante da verdade freudiana: os sintomas de sofrimento psíquico são estruturas de linguagem. Os sintomas são um modo de o sujeito enunciar sua verdade. Os sintomas falam e é preciso ouvir a verdade do que dizem.

Dessa premissa fundamental, extraiu as conseqüências de uma ética da psicanálise que não cessa de interrogar a clínica do sofrimento psíquico. De igual modo, o retorno a Freud foi a estratégia de Lacan para realizar uma ruptura radical  com as práticas moralizantes que submeteram a formação do psicanalista a um conjunto de enunciados com propósitos adaptativos e normalizadores.

Elisabeth Roudinesco

Elisabeth Roudinesco, com sua propriedade arquivista, publicou Lacan, a despeito de tudo e de todos (Zahar, 2011) para fazer “um balanço, não apenas da herança desse mestre paradoxoal, mas também da maneira pela qual meu trabalho foi comentado dentro e fora da comunidade psicanalítica”. Seu trabalho no caso é a monumental História da Psicanálise na França (em dois volumes publicado pela Zahar na década de 1980) e a intrigante biografia Jacques Lacan, esboço de uma vida , história de um sistema de pensamento (Companhia das Letras).

Trinta anos depois da morte de Lacan, o ensaio de memória de Roudinesco cartografou os principais embates na história da psicanálise contemporanea para concluir: “Cumpre, nos dias de hoje, instaurar uma nova prática do tratamento, uma nova psicanálise, mais aberta e mais à escuta do mal-estar contemporâneo, da miséria, dos novos direitos das minorias e dos progressos da ciência. Retorno a Freud, sim, releitura infiel de Lacan, certamente, mas longe de qualquer ortodoxia ou qualquer nostalgia de um passado morto. Além disso, inspiremo-nos na pertinência da interpretação de Antígona, na qual Lacan fazia de uma reflexão sobre o genocídio a condição de um renascimento da psicanálise. O gesto permanece válido hoje: a psicanálise não saberia ser outra coisa senão uma investida da civilização contra a barbárie” (p.134).

publicado em 2007 na França
Nesta singela homenagem ao nascimento de Lacan, indico aos leitores do blog o livro Trabalhando com Lacan como o registro testemunhal daqueles que conviveram com Lacan em situações de análise intencional, da prática de supervisão e como participantes dos Seminários proferidos de 1953 a 1979. Organizado por dois respeitáveis seguidores do ensino de Lacan, o livro recolhe discursos que não cessam de interrogar o fundamento ético do princípio estabelecido por Lacan para a formação do psicanalista: “o analista só se autoriza por si mesmo”.
 
Como disse Safouan, “conhece-se o ‘medo’, para utilizar o termo de Niels Bohr, que suscitou no seio da comunidade psicanalítica esse aforismo de Lacan. Mas, em vez de nos deixarmos invadir pela angústia, melhor nela nos apoiarmos para fazer esta pergunta que ele nos deixou: como uma análise que se dirige não ao Eu enceguecido pel miragem de sua autonomia, mas ao lugar de onde o desejo, indestrutível, faz o Aqueronte se curvar, prepara (a análise) o terreno para essa autorização?”  (p.11).
 
na web:
 
documentário “Jacques Lacan: a psicanálise reinventada”, escrito por Elisabeth Roudinesco e dirigido por Elisabeth Kapnist ( dublado em espanhol, disponível em 7 partes no youtube)

 http://www.youtube.com/watch?v=SsML-riI84A&feature=BFa&list=PL1EA97EBD2E57B833&lf=results_video